Do lixo ao luxo: da escola pública à PUC

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Em meu jardim de infância, estudei no prestigiado colégio Objetivo em Santos, graças ao meu avô que ganhava uma boa pensão da Alemanha e sempre se preocupou com a educação dos netos. Termina aqui todo ensino de qualidade que eu recebi de uma instituição de ensino. Quando meu avô faleceu, eu e meu irmão fomos transferidos para uma escola pública.

Meu pai nunca terminou o ensino fundamental, e minha mãe abandonou a faculdade de assistente social logo no primeiro ano. Por ela ser uma mulher instruída, sempre incentivou a leitura dentro de casa. Eu e meu irmão líamos desde histórias em quadrinhos, dezenas por semana, ate clássicos da literatura – internacional e nacional. Por conta disso, sempre fui boa aluna e muito interessada em aprender, ao Mauricio de Souza devo agradecer por ter sido a primeira aluna na pré-escola a aprender a ler com fluência.

A escola pública deficiente nunca incentivou o meu gosto pelo saber. O duro trabalho dos professores em "adestrar" 45 alunos ao mesmo tempo em uma classe apertada e sem a menor estrutura, inviabilizava qualquer tentativa de aula normal.

Encontrar um aluno interessado em aprender dentro da escola inteira tornava-se um desafio. A biblioteca do meu colégio era o único ponto positivo, o governo, todo ano, se preocupava em mandar novos exemplares de diversos livros, mas nem isso atraia aos alunos, a biblioteca sempre ficava deserta, e entrar lá tornava-se motivo de chacota entre os estudantes.

Sempre gostei mais das ciências humanas, por isso eu estudava sozinha em casa História e Geografia. Cheguei a ensinar meus colegas na escola o mapa-mundi: em pleno colegial eles não sabiam diferenciar em qual continente ficavam os países. Em contrapartida, eu era péssima em ciências exatas, isso quando havia algum professor interessado em passar o conteúdo na escola. As minhas aulas de História foram, durante a 5ª e 8ª série, explicando o sistema feudal, estudávamos por um livro de História caduco, quatro anos estudando a mesma coisa, e o pior, quase ninguém na minha sala sabia dizer o que foi o sistema feudal.

Quando concluí o ensino médio consegui um bom desconto em um cursinho em Santos, cidade onde nasci e estudei toda a vida. Pagando menos de 200 reais mensais, finalmente tive contato com aquilo que me foi privado durante o período escolar: material didático, professores preparados, alunos interessados, aulas laboratoriais, para mim aquilo era surreal. Entretanto, a minha dificuldade em acompanhar essas aulas era trágica. Enquanto eu sentia que para a maioria dos alunos o conteúdo passado era apenas uma revisão do que aprenderam no ensino médio, para mim era tudo novo e complexo. Fui então reprovada no vestibular. Ilusão a minha achar que eu era capaz de derrotar a concorrência de 47 alunos disputando uma vaga para o curso de jornalismo na USP, sem que ao menos eu tivesse uma única aula de Física no colegial.

Desanimada, deixei essa história de entrar na universidade de lado, e me dediquei a outras coisas na vida. Passaram-se quatro anos, eu me casei, mas sempre pensava em voltar a estudar. A gente nunca pode parar de aprender. Meu marido, que é formado em Relações Internacionais, sempre me apoiou a buscar o melhor dentro dos estudos. Quando ouvi falar do prouni, peguei livros emprestados e me dediquei a estudar sozinha todo o edital do exame, que na verdade não era difícil. O governo não pode exigir na prova o que nunca deu no ensino médio. A questão era testar o raciocínio lógico, uma forma de seleção natural. Quando o resultado saiu, todo o sonho de um título acadêmico que quase foi abandonado veio a tona novamente.

O período de inscrição foi muito estressante: três dias inteiros na fila para a matricula era o mínimo que os aprovados pelo enem precisaram enfrentar para se tornarem então filhos da PUC. Em paralelo a isso, os professores do nosso curso nos receberam muito bem e são compreensíveis com as nossas dificuldades. Muitas vezes eu meus colegas do prouni nos reunimos após as aulas para discutirmos de forma mais detalhada os trabalhos do curso. É uma forma de superarmos as deformidades de nosso ensino precário e devolver de forma positiva a oportunidade que recebemos.

Devo admitir que conciliar a vida de casada com estudos acadêmicos é uma loucura, mas não é impossível. Sem ter minha mãe ou minha sogra por perto, e meu marido trabalhando o dia inteiro, me revezo entre preparar o jantar, cuidar da casa e analisar a esfera pública de Habermas, entender a Escola de Frankfurt e fazer as dezenas de trabalhos que a nossa professora de lingüística pede toda semana.

Para concluir minha história, termino com um final até então feliz. Quando conheci aqueles que seriam meus futuros colegas, também do prouni, logo me identifiquei com eles. Eram alunos que se destacavam em suas escolas precárias do governo. Pessoas que se sentiam lesadas pelo ensino que receberam e possuem um potencial enorme que nunca fora explorado ou creditado pelos professores,alunos esforçados e preocupados em subir na vida, de aprender e de mudar o histórico de suas famílias: que nossos filhos repitam o sucesso de nossas histórias, entretanto, por caminhos muito mais fáceis.

0 comentários: